O Palacete Pinho, um dos símbolos históricos e culturais de Belém, está mais uma vez no centro dos debates, não mais por estar abandonado, mas pelas declarações do jornalista Mauro Bonna e do futuro prefeito da capital paraense, Igor Normando, numa entrevista no programa “Argumento” no dia 25 de dezembro.
Mauro Bonna afirmou, por conta própria, que o espaço estaria “subutilizado” e sugeriu sua concessão à iniciativa privada, mais especificamente, à Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA), ao que o futuro prefeito Igor Normando respondeu prontamente: “Nós vamos fazer isso, Mauro, e abrigar restaurantes, lojas de souvenir. Belém precisa ser divulgada”, argumentou. As declarações provocaram uma reação imediata e negativa da comunidade cultural e educacional.
“Queremos acreditar que o futuro prefeito tenha feito uma afirmação equivocada porque ainda desconhece as ações realizadas no Palacete Pinho”, diz a carta aberta assinada pelo Núcleo de Arte, Cultura e Educação (NACE) e pela Escola Municipal de Artes de Belém (Emabe), sediados no palacete administrado pela Secretaria Municipal de Educação (Semec).
Após uma restauração que durou mais de um ano e um investimento municipal de cerca de R$ 6 milhões, o Palacete Pinho foi reinaugurado em 22 de fevereiro, como sede do Núcleo de Arte, Cultura e Educação da Semec (Nace), responsável por projetos como a Escola Municipal de Arte de Belém (Emab), o Cinema Dira Paes, o Ecomuseu de Belém e o Memorial Bruno de Menezes.
O restauro do Palacete Pinho representa investimento público no acesso à educação, cultura e identidade, oferecendo formação continuada para professores e alunos da rede municipal. A ideia de entrega-lo à iniciativa privada é um retrocesso e a expectativa é que o novo prefeito compreenda a importância do espaço e do NACE, reconsiderando a ideia de privatização ou enfrentará também um grande desgaste perante a opinião pública.
Belém é um polo de produção cultural e a solução não está em desmantelar espaços de cultura e educação, e sim em fortalecê-los como parte de uma estratégia pública que valorize o patrimônio local e assim possamos divulgar uma cidade plural e atenta a seu patrimônio, cultura e educação.
Atividades educativas e parcerias

O Palacete está longe de ser subutilizado. Pelo contrário, é um equipamento essencial na construção de uma Belém mais inclusiva e culturalmente rica. Desde sua reinauguração, o espaço tem sido palco de diversas atividades culturais e educativas.
Em novembro, o Palacete Pinho sediou o II Encontro de Abridores de Letras para celebrar os 100 anos do ofício no Pará. O evento incluiu oficinas, workshops e debates sobre a valorização da cultura ribeirinha. Recentemente, foram adquiridos instrumentos musicais para a Emab, que atende alunos das Escolas de Tempo Integral da RME/Belém além das demais públicas e privadas que fazem agendamento.
O Palacete também abriu as portas abertas para o público no Projeto Circular Campina Cidade Velha, em agosto, outubro e dezembro, inclusive recebendo o Circutitinho Circular, programa de educação patrimonial para crianças. Os pequenos puderam conhecer a história do Palacete Pinho e usufruir das suas instalações, com brincadeiras e oficinas de arte.
O Cinema Dira Paes, espaço visitado recentemente pela própria atriz, realiza sessões cineclubistas gratuitas, com média de 830 atendimentos mensais, aproximando estudantes e moradores da linguagem audiovisual.
Para a comunidade do Porto do Sal, as portas são abertas nas Sessões Cine Sal e parte da 13ª mostra ecoelefante de cinema ocorreu lá, de 4 a 7 de novembro. A mostra, internacional, é uma das principais vitrines sul-americanas para a produção audiovisual sobre temas socioambientais.
O Ecomuseu de Belém desenvolveu projetos como o “Circuito das Olarias do Paracuri” e o “Guardiões do Patrimônio”, que mobilizaram comunidades e envolveram diretamente 500 estudantes e artesãos locais. E o Memorial Bruno de Menezes realizou, em 2024, mais de 130 visitas escolares e eventos como saraus e oficinas, reforçando seu papel na preservação da memória local.
Além disso, o NACE atua na formação de professores. Foram mais de 40 horas anuais de formação continuada em arte e educação, beneficiando diretamente 1.200 educadores da rede municipal. A Escola Municipal de Dança (EMD), com polos em diferentes bairros, atende, via NACE, cerca de 5.000 estudantes por mês e realiza apresentações públicas como o espetáculo “Vozes”, que reuniu 158 alunos e mais de 400 espectadores.
Um história de ameaças e superações
Construído pelo comendador Antônio José de Pinho em 1897, o edifício é um marco inovador na cidade e faz parte da identidade e da memória afetiva da população. Em 1930, o falecimento do patriarca José de Pinho deixou o destino da mansão nas mãos de seus herdeiros, que a mantiveram como residência até 1970, quando as últimas herdeiras a ocuparem o imóvel, faleceram.
Em 1982, o grupo Yamada o assume com objetivo de torná-lo uma fundação cultural, mas logo depois o tornou um depósito, abrigando até materiais inflamáveis como colchões e botijões de gás. O tombamento em 1992 pelo IPHAN, evitou sua demolição, o município assumiu a administração após disputa judicial com os antigos proprietários. Em 2006, teve início uma nova obra, mas que foi interrompida por falta de recursos.
Em 2010, a Justiça Federal exigiu que o município retomasse as obras, uma vez que o edifício estava à beira do colapso. A restauração de 2006 foi retomada e concluída em 2011, custando R$ 7,8 milhões, captados de empresas como Vale e Eletrobras, além de recursos direcionados pela prefeitura. Não houve, porém, planejamento de uso, e o Palacete ficou mais uma vez fechado, enfrentando mais um período de deterioração. Depois de muito vai e vem e recursos perdidos, em 2022, na gestão de Edmilson Rodrigues, a nova obra entrou em curso e foi entregue em 2024.
Como se vê, não é de hoje que o Palacete Pinho sofre com ameaças, mas o que se espera é que agora que ele está restaurado e que seu uso está determinado e já abraçado pela população, essa saga se encerre em 2024, e que, em 2025, o Palacete siga com a missão de garantir acesso à educação e à cultura no bairro histórico da Cidade Velha que, por sua vez, também clama por investimentos e políticas públicas de restauro.