Coletiva de imprensa com Jorge Rebelo de Almeida, presidente da Vila Galé (Foto: Holofote Virtual)

À beira do rio, Vila Galé apresenta hotel como empreendimento turístico e cultural em Belém

Belém do Pará, porto de histórias, rios e marés. À beira da Baía do Guajará, onde por décadas galpões abandonados da Companhia das Docas do Pará repousaram entre o silêncio e o descaso, uma nova paisagem começa a tomar forma. É ali que o grupo português Vila Galé ergue seu mais novo hotel de luxo no Brasil, com inauguração prevista para outubro deste ano, às vésperas do Círio de Nazaré.

A imprensa foi convidada para conhecer parte das obras e ouvir os planos da rede numa coletiva de imprensa com Jorge Rebelo de Almeida, presidente do grupo Vila Galé. Na tarde de segunda-feira (7/04), os primeiros quartos prontos foram abertos à visitação, revelando um projeto arquitetônico arrojado, com vista generosa para o rio.

O hotel é visto como símbolo do “novo momento” da cidade: um investimento de R$ 180 milhões, segundo o grupo, que ocupa três armazéns reformados e deve oferecer 227 apartamentos temáticos – homenageando mulheres -, spa, restaurantes e área com piscina.

Empregos, cultura e sustentabilidade na coletiva

Jornalistas e pessoas ligadas as governos municipal e estadual estiveram presentes (Foto: Holofote Virtual).

Na coletiva de imprensa após, a visita, entre palavras ditas e omissões notadas, o encantamento dividiu espaço com o incômodo. Autoridades estaduais e municipais estavam presentes na mesa: a secretária de Cultura do Estado, Úrsula Vidal; o secretário adjunto de Turismo, Lucas Vieira; e o secretário de Urbanismo de Belém, Fabrício Gama.

“Isto foi uma transformação total. Não se aproveitou nada, a não ser a estrutura metálica”, declarou Jorge Rebelo de Almeida, presidente da Vila Galé. Português de fala rápida e cheia de imagens poéticas, ele conduziu a coletiva com carisma, mas pouca objetividade.

Foram quase trinta minutos de discurso, que mesclaram memórias, filosofia, elogios à música popular brasileira e menções a projetos em outras cidades, mas as respostas às perguntas da imprensa demonstraram ainda pouco conhecimento sobre a região, sobre a qual citou representações como a excelente gastronomia da região. Questionado sobre os preços das diárias, respondeu:

“Ainda não temos definição fechada. Mas em alta temporada pode chegar a 500 euros, o que equivale a cerca de 3 mil reais. A experiência que vamos oferecer justifica esse valor.” E brincou ao falar dos valores exorbitantes que já vêm sendo cobrado pelas redes locais durante a COP 30. “Não chegará perto disso”, comentou.

Obras precisarão ser aceleradas para atender o desafio de inaugurar antes do Círio de Nazaré (Foto: Holofote Virtual)

Sobre a geração de empregos, mencionou futuras parcerias com o governo e a prefeitura, sem dados ou estimativas. “Queremos dar oportunidade para jovens que buscam o primeiro emprego. Vamos começar em maio com treinamentos.” Não falou, porém, em absorver mão de obra especializada. “Nossas equipes têm brasileiros de várias regiões”.

O presidente da Vila Galé também falou sobre turismo e cultura como fatores econômicos que andam juntos e informou:  “As primeiras figuras que vão aparecer nos quartos são artistas. Vamos homenagear as mulheres, os poetas, os músicos. Cada quarto terá uma alma diferente.”

No âmbito da cultura disse ainda que os corredores do hotel serão forrados com imagens históricas de Belém. Citou a infância, o réveillon, o jazz, a MPB. Quando perguntado sobre a cultura local presente no plano de gestão do hotel, não falou se haverá um projeto cultural que envolva a contratação de artistas e produtores locais.

Fernanda Torres é tema do quarto da categoria premium

Falou da cozinha com influências portuguesas e africanas, e da intenção de criar um espaço para as famílias — com brinquedoteca, piscina aquecida e atividades infantis. “O Brasil precisa de hotéis para famílias com crianças”, repetiu, diversas vezes.

Já as práticas de sustentabilidade, o empresário mencionou uso de energia solar, reaproveitamento de água da chuva e preocupação com resíduos sólidos. “Vamos usar o sol como energia, cuidar do ambiente, plantar árvores. A sustentabilidade está em tudo, desde a roupa de cama até a arquitetura”, disse, sem apresentar um plano de ação concreto.

O que se viu e ouviu, portanto, foi um retrato parcial de um projeto que tem muitos méritos, mas também muitas lacunas, ou pelo menos foi a impressão que ficou após esse contato com a imprensa. Outubro está na porta, os dias passam velozes e não ter ainda um plano de ação concreto, preocupa.

Área portuária, cultura ribeirinha e exclusões

Vista para o rio, em um dos futuros quartos (Foto: Holofote Virtual)

A revitalização da área portuária é urgente e simbólica para uma cidade como Belém, cuja relação com suas águas tem sido, historicamente, marcada por exclusões. O fato de o hotel ocupar um trecho antes inacessível é, por si, uma conquista, ainda que só quem possa usufruir sejam os hóspedes com alto poder aquisitivo.

No encerramento da coletiva, a secretária de Cultura Úrsula Vidal falou com sensibilidade sobre a ancestralidade amazônica, as mulheres e a potência das artes como eixos de desenvolvimento sustentável. Foi uma fala que parecia conversar com os silêncios deixados por Jorge. Falou de futuro, mas com os pés fincados no território. De economia criativa, mas com o cuidado de lembrar os nomes e saberes que vêm da floresta e das periferias.

“A Amazônia é mulher e nós temos essa obrigação de nos reconciliarmos com essa vida feminina. […] Nós nos reconectamos com essa ancestralidade amazônica que se relaciona com as águas, com as chuvas, com o tempo das marés. […] A cultura, a arte, a economia criativa e o turismo são esses grandes setores de desenvolvimento.”

Clarice Lispector também é homenageada em um dos quartos com vista para o rio. Foto: Holofote Virtual.

Como jornalista da área da cultura sugeri que nomes de mulheres amazônidas, indígenas e principalmente paraenses fossem homenageadas nos quartos que já contam com Fernanda Torres, na categoria mais luxuosa do hotel, assim como Madre Tereza de Calcutá e Elis Regina. Seria uma forma de valorização e visibilidade à cultura local.

Foi impossível não sair dali com uma mistura de sentimentos. O espaço é belo. A proposta tem fôlego. A obra avança, e há uma geração de empregos locais neste momento mais braçal, mas ainda não sabemos o quanto da cidade estará presente não só na decoração, mas na operação diária?

Centro histórico e empreendimentos turísticos

Orla na antiga CDP. Foto: Holofote Virtual

Durante sua fala, Jorge Rebelo de Almeida também destacou a importância simbólica de recuperar o centro histórico das cidades. “Eu costumo dizer que na hora em que recupera o centro histórico de uma cidade, troca-se os centros, valoriza-se o presente. Nós temos que pensar no futuro, no presente, mas sem esquecer o passado.”

A fala está certa. Valorizar o centro histórico é, de fato, reencontrar a identidade de uma cidade. Mas, ao olhar para Belém — especialmente os bairros da Cidade Velha e da Campina — o contraste com o discurso salta aos olhos. Enquanto o Reduto, onde se instala o novo hotel, tem recebido investimentos públicos e privados nos últimos anos, a Cidade Velha e a Campina seguem enfrentando abandono, insegurança e ausência de políticas públicas contínuas e efetivas.

Trata-se de territórios fundadores da cidade, que carregam uma força cultural viva e popular, mas que são frequentemente esquecidos nos grandes planos de revitalização urbana. E aqui, cabe lembrar: sem políticas de permanência, sem moradia digna e sem integração com quem vive esses bairros há décadas, qualquer tentativa de reabilitação corre o risco de ser apenas cosmética — uma valorização que não valoriza quem já está ali.

​O acordo entre o Governo do Estado do Pará e o grupo português Vila Galé para a construção de um hotel de alto padrão em Belém foi formalizado em 6 de junho de 2024. O empreendimento será erguido nos antigos galpões 8, 8A e 8B do Porto Futuro II, uma área cedida pela Secretaria de Cultura do Estado (Secult-Pa) por um período de 30 anos.

Autoridades e empreendedor brindam as novidades que virão (Foto: Holofote Virtual)

Em contrapartida, o Estado receberá 2% do faturamento do hotel durante o período de concessão. O investimento, estimado em R$ 180 milhões, será integralmente custeado pelo grupo Vila Galé, com previsão de entrega no dia 9 de outubro deste ano, antes até do previsto, para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), agendada para novembro de 2025.

Belém precisa, sim, de investimentos que valorizem sua beleza, sua cultura e sua força simbólica, principalmente de projetos que conversem com sua gente. De hotéis que não apenas hospedem, mas se deixem atravessar pela cidade. Porque toda transformação urbana — especialmente quando nasce de uma concessão pública — precisa ser pensada também para o coletivo.

Na Galeria Holofote, vejam mais fotos da visita de ontem às obras do Vila Galé.

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