No caminho da COP30, Belém confronta dilemas antigos com oportunidade histórica

Enquanto se projeta a cidade que vai sediar a COP30 em 2025, os dilemas que atravessam sua história urbana ressurgiram com força total no seminário “No meio do caminho tinha uma COP: nunca esqueceremos desse acontecimento?”, promovido pela Universidade Federal do Pará, entre 22 a 26 de abril.

Foram realizados vários debates, um deles com o tema “Centro Histórico de Belém no Caminho da COP30: Dilemas e Perspectivas”, com mediação da professora Goretti Tavares, e participação da superintendente do Iphan no Pará, Cristina Vasconcelos, a secretária de Cultura do Pará, Úrsula Vidal, a professora e arquiteta da UFPA, Roberta Rodrigues, a coordenadora do Projeto Circular, Adelaide Oliveira e o empresário e presidente do Conselho Regional de Administração, Fábio Lúcio Costa.

Cada um à sua maneira, trouxe visões distintas — e muitas vezes conflitantes — sobre o futuro da cidade diante da realização da COP30 em 2025. Se, por um lado, a COP30 representa uma oportunidade sem precedentes para a capital paraense se reposicionar no cenário global, por outro, o risco de repetir velhos erros — maquiar desigualdades, expulsar moradores tradicionais, apagar práticas culturais — ronda as promessas de modernização.

O seminário expôs, sem disfarces, essa tensão. De um lado, gestores públicos enfatizando esforços para requalificar espaços urbanos e garantir um legado duradouro. De outro, a sociedade civil representada por professores, pesquisadores e estudantes alertando para o abismo entre intenções e realidades históricas.

A superintendente do Iphan no Pará, Cristina Vasconcelos, ao apresentar o panorama das mais de 30 obras em curso, como as do Ver-o-Peso e da Doca, exaltou a necessidade de preservar a memória material da cidade.

Ela citou achados arqueológicos recentes como testemunhas da história que se desenrola sob os pés da Belém contemporânea, mas nem mesmo seu entusiasmo disfarçou o desafio que ela própria apontou: preservar, no ritmo frenético das demandas da COP, é uma tarefa diária e delicada.

Foto/UFPA

Na mesma linha, a secretária de Cultura do Estado, Úrsula Vidal, reconheceu que requalificar a cidade não pode ser apenas uma operação estética para impressionar visitantes internacionais.

A infraestrutura é necessária, afirmou, mas o verdadeiro legado precisará ser medido em inclusão social, políticas públicas consistentes e fortalecimento da cidadania. Sua fala, contudo, também evidenciou os limites enfrentados pela gestão: a complexidade do centro histórico, marcada pelo avanço da população em situação de rua e pela pressão do mercado imobiliário, exige ações muito além das obras já anunciadas.

Enquanto nas falas oficiais houve prudência e reconhecimento de desafios, foi nas vozes da academia e da sociedade civil que o seminário encontrou seus contrapontos mais contundentes.

A arquiteta e professora Roberta Rodrigues, do Fórum Landi, lembrou que o centro histórico é uma malha viva, feita de práticas sociais, afetos e modos de vida que não sobrevivem a requalificações que ignoram seu caráter popular e plural.

A transformação de bairros inteiros em vitrines para o turismo, alertou, pode resultar na expulsão silenciosa de quem dá vida a esses territórios, aprofundando processos de gentrificação já em curso.

Essa crítica encontrou eco na fala da jornalista e produtora cultural Adelaide Oliveira, coordenadora do Projeto Circular, que, sem rodeios, reivindicou o protagonismo dos que, ao longo da última década, mantiveram o centro histórico vivo através da cultura e da economia criativa.

 

Foto/UPFA

“Enquanto governos vêm e vão, nós seguimos aqui”, afirmou, defendendo que revitalizar não pode ser sinônimo de pintar fachadas, mas sim de criar condições reais de permanência para quem já habita e transforma o território.

A ausência de uma política pública estruturada para apoiar essas iniciativas, apontada por Adelaide, expôs um dos grandes riscos do momento: o de que a COP30 sirva para inaugurar obras e eventos, mas não fortaleça de fato as bases sociais que sustentam a cidade.

No campo empresarial, a fala de Fábio Lúcio Costa trouxe um tom de realismo esperançoso. Sem negar o cenário de degradação do centro histórico — marcado por incêndios, ocupações desordenadas e insegurança patrimonial.

Para ele, o sucesso do evento não se medirá pela infraestrutura entregue, mas pela capacidade de Belém de construir processos participativos, de inovação e de fortalecimento da sociedade civil.

Fábio Costa defendeu que a COP deve ser vista como uma oportunidade de amadurecimento coletivo, rompendo com o que chamou de “síndrome de vira-lata”.

No fio da navalha, entre promessas e fraturas expostas, o seminário deixou claro que a Belém que surgirá após a COP30 dependerá de escolhas feitas agora.

A cidade poderá seguir o caminho fácil de maquiar problemas antigos para consumo externo — ou poderá, com esforço e coragem política, construir um legado genuíno, que respeite a memória de quem a vive cotidianamente e que projete, para o futuro, uma cidade de fato mais inclusiva, criativa e justa.

O debate ocorreu dentro da programação do seminário “No meio do caminho tinha uma COP: nunca esqueceremos desse acontecimento?”, coordenado pela professora Olga Lúcia Castreghini de Freitas. E pode ser conferido no YouTube – transmissão oficial.

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