Cássio Lobato traz de volta o bloco Guarda-Chuva Achado para dar um baile de carnaval na Praça do Carmo

Essa vem do fundo do baú para o carnaval de 2025. Senta (pra ler), que lá vem a história. Nos anos 1980, uma cena cultural efervescente tomou conta de Belém. Plural, reunia artistas, músicos, escritores, jornalistas que fizeram da cidade um grande palco, aberto para a expressão de uma identidade autoral e irreverente.  Estávamos nas praças, nas filas dos festivais de teatro e nas rodas de violão. Vários grupos de teatro, música, movimentos culturais surgiram.

Entre os símbolos dessa época, está o Guarda Chuva Achado (Guarda Xuva Axado), que se destacou como um dos mais icônicos. O bloco inventado por amigos em uma tarde divertida na capital paraense se transformou em um fenômeno cultural, reunindo multidões.

Para mantermos vivas essas memórias e nos animarmos com a chegada do carnaval, aviso que no próximo domingo, 16 de fevereiro, com apoio da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), o bloco Guarda Chuva Achado retorna, como um grande baile popular na Praça do Carmo, das 15h às 18h.

A festa tem direito a charanga de Os Cobras, do Mestre Palheta, entoando marchinhas de carnaval, e é claro que os hists do bloco também vão tocar. A proposta inicial era refazer os percursos do cortejo, mas o formato precisou ser reinventado, “o mote agora é o tradicional concentra, mas não sai assumido e de forma bem-humorada”, diz Cássio Lobato, proponente do projeto e um dos fundadores do bloco.

O evento também vai contar com postos de coleta de lixo e parcerias com ONGs que trabalham com materiais recicláveis. “Nossa preocupação vai além da celebração. Queremos que as pessoas curtam, mas também respeitem o espaço público. Vai ser um grande reencontro, um dia de nostalgia e alegria, aberto para todo mundo”, enfatiza Cássio.

Em entrevista ao Holofote Virtual, Cássio Lobato, produtor cultural, baterista e violonista, faz uma reflexão apaixonada sobre o movimento, que nasce num período que soprou o vento da liberdade pós-ditadura.

O momento, alimentou a explosão criativa que se refletiu na música e nas manifestações culturais em todo o país. O bloco, segundo ele, é uma projeção desse renascimento cultural, um marco da criatividade popular e artística da cidade.

Registros de Miguel chikaoka, Geraldo Ramos, Catarina e Abdias Pinheiro.

Luciana Medeiros: O Guarda Chuva Achado vive, não tenho dúvida, no inconsciente coletivo de toda uma geração. O que motivou a realização do projeto?

Cassio Lobato: A ideia principal do evento é resgatar essa memória, a gente quis trazer o formato original, que era um cortejo pela Cidade Velha, chegando na Feira do Açaí, Ver-o-Peso. No entanto, devido às portarias e aos mecanismos de proteção do patrimônio histórico da Cidade Velha, não podemos mais fazer o cortejo pelas ruas. Então, conseguimos negociar com a prefeitura e a gestão a possibilidade de fazer um grande baile na Praça do Carmo, usando o espaço público para um baile popular de carnaval.

Essa ideia já vinha na minha cabeça há anos, e não só na minha, mas no pensamento de várias pessoas que participaram do Guarda-Chuva Achado original. Eu sempre encontrava pessoas que haviam vivido aquele carnaval bacana e a pergunta era sempre a mesma: “Por que não volta? Por que não faz uma reedição?”.

Até houve uma reedição, mas no formato micareta, com o Mahrco Monteiro e outros. O formato original era na Cidade Velha. Com o tempo, as pessoas foram cobrando isso de forma muito positiva. Quando surgiu a oportunidade da Aldir Blanc, um amigo meu, o Bruno Benítez, me incentivou a escrever o projeto e inscrever. Eu me inscrevi e deu certo!

LM: Pra todo mundo entender melhor, explica o que foi o movimento do Guarda-Chuva Achado e no que ele resultou?

Cássio Lobato: O bloco Guarda-Chuva Achado começou como uma brincadeira, mas logo tomou uma proporção enorme. Ele se tornou um marco no carnaval de rua de Belém, reunindo artistas, jornalistas, fotógrafos e, claro, a população em geral. Foi um carnaval que uniu as famílias e as pessoas da cidade, com uma energia e efervescência cultural muito grandes. Foi algo realmente significativo porque abriu caminho para outros blocos e para uma nova maneira de viver o carnaval em Belém.

Registros de Miguel chikaoka, Geraldo Ramos, Catarina e Abdias Pinheiro.

LM: Cada um que estava ali naquele momento tem seu recorte de memória da época. Do que você lembra, conta como foi que surgiu, quem estava envolvido… Estamos falando dos anos 1980.

CL: Eu me lembro que era muito forte a presença da  FotoAtiva, do Miguel Chikaoka, tínhamos ali o movimento de cinema com o Januário Guedes. Eram vários eventos na cidade também, como a Seresta do Carmo e o Grupo Agir, que trazia Arte na Praça. E aí num grupo de amigos, estavam  o Tonico e a Catarina Brito, Chicão, Abdias Pinheiro, Clélio Palheta. Essa galera tava numa Seresta do Carmo dessa, e aí o Tonico achou um guarda-chuva velho, meio capenga assim, abandonado.

O que ele fez? Pegou esse guarda-chuva achado e todos saíram juntos cantarolando e brincando com ele. E desceram para a Feira da Açaí, e depois foram num bar antigo chamado Paricá, que ficava ali numa rua próxima da Feira da Açaí, na Praça Dom Pedro I.  E aí, quando eu saí do meu trabalho lá no Chico’s Bar, eu encontro essa galera, já lá no Bar do Parque.

Imediatamente eles vieram ao meu encontro dizendo bora fazer uma música, a gente criou um bloco e tal, e todo mundo tava empolgadíssimo. E aí eu fui pra casa e junto com o meu irmão Claudinho (Lobato) e a gente fez a primeira música do Guarda-Chuva Achado, que era o Eu Tô Doidão. E aí foi bacana, foi o primeiro ano do Guarda-Chuva Achado.

LM: A música mais famosa não foi essa… sei que há vários compositores envolvidos… Como foi que surgiu?

CL: Pois é. Aconteceu o primeiro na brincadeira e para o segundo ano, o Clélio Palheta (saudoso), um dos grandes compositores do Guarda-Chuva Achado, me apresentou uma letra chamada O Frerimbó da Quilométrica ou Afoxé do Guarda-Xuva Axado. Era uma letra gigante, mas não por foi isso que ela ganhou o nome de Quilométrica. Foi escrita durante uma viagem, em pleno voo, com uma caneta da marca quilométrica.

Para compor a melodia, tivemos que dar uma encurtada. Aí foi a explosão, foi o sucesso que foi essa música até hoje. Depois, houveram outras músicas de parceria entre o Cláudio e o Abdias Pinheiro. Eu e o Clélio fizemos outra. Enfim, nós éramos, digamos assim, a ala compositora do Guarda-Chuva Achado.

Registros de Miguel chikaoka, Geraldo Ramos, Catarina e Abdias Pinheiro.

LM: O que representou esse movimento também em termos políticos culturais e sociais?

CL:  Lu, nós tínhamos saído de uma Ditadura, nós tínhamos lutado pelas Diretas, então o movimento político era muito intenso, não só em Belém, mas no Brasil inteiro, se queria o resgate da cidadania, do governo civil, saindo de uma ditadura militar e tal.

E o processo, por exemplo, de uma eleição Direta foi complicado porque fez-se todo aquele movimento e acabou que nem houve uma eleição Direta, foi uma eleição do Congresso. O Tancredo foi eleito, mas não assumiu e veio o Sarney, mas de qualquer forma, quando a gente sai de uma Ditadura Militar, a tendência natural é que vários e várias manifestações de todos os sentidos aconteçam no país.

Em Belém não foi diferente. Quando a Democracia começou a se solidificar, a gente sai desse regime de exceção da década de 70, então começa tudo a explodir culturalmente no país e aqui também. Então, por exemplo, o teatro era muito forte, a música… Havia muitos grupos de teatro, muitas produções cênicas pela cidade. Foi o tempo que os artistas começaram a brigar mais pelos espaços culturais, teatrais etc.

Um fruto disso foi o próprio Teatro Waldemar Henrique, que eu me lembro que na época a gente chegou a derrubar uma parede lá que ficava uma agência de turismo, a Ciatur, se não me engano, na base da picareta mesmo, para expulsar os caras de lá e essa luta nós vencemos, né?

O Teatro Waldemar Henrique passou então a ser um teatro exclusivamente para os artistas ocuparem. Então o momento cultural daquela época era muito efervescente, aconteciam coisas direto. E o Guarda-Chuva eu acho que não deixa de ser uma projeção desse momento de volta à liberdade.

LM: E no contexto mais da música, especificamente, o que estava rolando, que grupos, etc?

CL: Havia muitos grupos musicais autorais, como o Sol do Meio-Dia e o Madeira Mamoré. Esses grupos procuravam ocupar os espaços culturais da cidade, como o Teatro Waldemar Henrique.  Tivemos aqui a Feira Pixinguinha, projeto que levou muitos artistas a se apresentarem, pela primeira vez no Teatro da Paz.

O Sol do Meio-Dia reunia Mini Paulo. Rafael Lima, Luiz Pinto e Aritanã, Magro, que era o baterista e tal. Enfim, era uma banda que fazia um som muito autêntico, autoral e tudo. Walter Freitas estava nesse bando também. Aí tinha o Madeira Mamoré, que era com o Zé Luiz Maneschi, e o Paulo Bastos, enfim.  O Eloy Iglesias era da banda Grude. E tinha Macario Lima, irmão do Rafael Lima.  Eram muitos grupos. A década de 80 foi o tempo da música autoral, os grupos faziam muitos shows em teatro, em praças, enfim.

APRENDA A LETRA  – Frerimbó ou Afoxé do Guarda Chuva Achado

Meu guarda chuva não pode fechar
Nessa doideira eu vou até me arrebentar
Meu guarda chuva não pode fechar
Nessa doideira eu vou até me arrebentar

Nesse afoxé já dizia Deuzuíte
Nesse tal disse-me-disse
Pra Joana dar loló

Égua vejam só
A piração foi tanta
Sem licença dos caretas
Inventaram o Trerimbó!

Tem xaxaxá, tem chinelo!
Xexexé do instrumento
Tem xixi da moçada
Xoxó também, macacada

Tem xaxaxá, tem chinelo!
Xexexé do instrumento
Tem xixi da moçada
Xoxó também, macacada

Xuxu pode chover que se a polícia gritar
A gente desce a ladeira
Xuxu pode chover que se a polícia bater
Pouca carreira é besteira

Meu guarda chuva não fecha
Vou embarcar nessa deixa
Só vou parar pra tomar uma na beira (2x)

Parar para dar um lero, parar para dar um lero…

Serviço

Baile do Guarda Chuva Achado. Domingo, 16 de fevereiro, a partir das 15h, na Praça do Carmo – Centro Histórico de Belém-Pa. Gratuito. Livre.

Fotos na galeria e posts: Miguel chikaoka, Geraldo Ramos, Ana Catarina e Abdias Pinheiro.

No canal Youtube – Belém, aos 80, de Alan Kardeck e Januário GUedes, que mostra toda a efervescência da época em que surge o Guarda Chuva Achado.

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