Em Quatipuru (PA). Foto: Divulgação

Monóculo da Vovó articula fazedores de cultura em Quatipuru (Pa) com coragem e espírito coletivo

Quatipuru, nordeste do Pará. No último domingo, 4 de maio, o Ponto de Cultura Monóculo da Vovó abriu suas portas para provocar uma escuta ativa e coletiva entre fazedores de cultura do município. Com o tema “Iniciativas Culturais Independentes e Políticas Públicas Culturais”, a reunião — idealizada por Cássia Costa — foi também um gesto de articulação e reafirmação da cultura como direito.

A ação é reação e parte de uma realidade que se repete em muitos interiores do Brasil: ausência de iniciativa que atenda a demanda formativa da população envolvida no fazer cultural e que tem pouca ou nenhuma formação técnica para a participar dos mecanismos de fomento, hoje disponíveis, sem falar da quase total invisibilidade institucional.

“Aqui, o município não percebemos o interesse em divulgar os editais e ainda há muita gente que mal sabe preparar um currículo ou portfólio que comprove sua atuação, ao mesmo tempo em que temos uma grande diversidade, mestres, mestras, músicos, mas a maioria fora do mapa cultural”, relatou Cássia, fundadora e coordenadora do Monóculo da Vovó.

Foto: Divulgação – Monóculo da Vovó

Entre os presentes na reunião, estava o Mestre Come Barro, figura importante na Marujada de São Benedito da cidade, atuando na festividade desde criança, seja como cantador e tocador de tambor. Compositor, aos dezesseis anos formou seu primeiro grupo de Carimbó chamado “Os Caçulas”.

Guardião dos saberes e fazeres da cultura popular, ele falou ao Holofote Virtual sobre a importância do legado às futuras gerações. “Trabalhamos na cultura e queremos acessar nossos direitos, envolvendo crianças e jovens, que deixaremos em nosso lugar. A rabeca quase desapareceu aqui e corre risco se a gente não investir na tradição que queremos manter viva. ”, disse Mestre Come Barro.

Raimundo Nonato, conhecido como Cacuri, juiz da Festa da Marujada de Quatipuru, do barracão Pedro Barbosa de Amorim, também esteve na reunião e destacou o valor da troca e a possibilidade de continuidade. “Estamos discutindo e conversando sobre os direitos culturais e foi uma reunião proveitosa. A gente precisa de mais encontros assim. Quem sabe nasce uma parceria entre nós?”, disse.

A Sargenta Socorro, vice-presidente da Associação Guardiões da Vida, que atua com crianças e adolescentes, reforçou: “Hoje tive o prazer de participar desse encontro, com os mestres e compartilhamos nosso trabalho. Precisamos mostrar isso, e essa iniciativa da Cássia mostra que juntos, somos mais fortes.”

Voz que transforma casa em território cultural

Foto: Divulgação/Monóculo da vovó

Cássia Costa, artista, educadora e maruja, é a força por trás do Monóculo. O espaço, que funciona em sua própria casa, nasceu há quase quatro anos como um projeto de comunicação e salvaguarda da cultura popular. Hoje, é o único Ponto de Cultura oficialmente reconhecido no município. Lá, oficinas, exibição de filmes, rodas de conversa, ações ambientais e atividades educativas se realizam semanalmente — todas gratuitas e voltadas à valorização do território, da memória e dos saberes tradicionais.

“Minha casa virou espaço de resistência”, afirma. “Transformo lixo em luxo, dou oficinas, atendo escolas, recebo visitantes. Mas faço tudo sozinha. Preciso de apoio para continuar. A demanda aumentou e o poder público ainda não vê essa importância.”

Quatipuru, como tantos municípios da Amazônia, abriga uma rica e viva expressão cultural, mas enfrenta uma lacuna histórica de investimentos. Ainda que iniciativas como a Política Nacional Aldir Blanc tragam algum alento, as distâncias — geográficas e informacionais — ainda impedem que esses recursos cheguem a quem mais precisa.

Fatores como editais mal divulgados, falta de internet, barreiras técnicas e ausência de diálogo institucional acabam dificultando todo um investimento quem sendo feito , pelo governo federal, em facilitar o acesso à cultura. Nesse cenário, o Monóculo da Vovó é um lugar de afeto, de troca, de formação crítica.

“Queremos que as pessoas saiam daqui com o entendimento de que é importante saber para respeitar, promover e proteger”, diz Cássia. E completa: “A gente faz com alegria, não deveria ser só com sacrifício. A luta precisa ser reconhecida.”

Conheço o espaço desde o ano passado. Nunca estive lá pessoalmente, mas graças a um outro projeto independente, do artista visual Werne Souza, um dos gestores da Casa do Artista, em Icoaraci, tive contato com Cássia Costa e ela me contou da atuação do Monóculo.

Impulsionado por um dos editais da Lei Paulo Gustavo (Minc/Secult-Pa), o projeto “Arte de Casa em Casa”, descortinou vários outros espaços de arte construídos em residências, entre eles o Monóculo da Vovó. Em Quatipuru também reside Lúcia Gomes, artista visual que mantém em sua casa a galeria Direitos Humanos.

A reunião realizada neste domingo, no Monóculo da Vovó, reafirma, assim, o papel dos espaços independentes como motores da cultura de base comunitária. E deixou claro que, mesmo onde falta estrutura, a arte insiste em florescer.

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