No filme de Win Wenders. Foto: Reprodução/Internet

Despedida de Francisco, o Papa que apontou a cultura como caminho de fé e humanidade

Francisco foi um Papa que escolheu caminhar entre os homens — e escutá-los. Faleceu em Roma, em 21 de abril de 2025, um dia após o Domingo da Páscoa, simbolizando o encerramento de seu ciclo terreno. Sua trajetória foi marcada pela defesa dos pobres, da cultura, do meio ambiente e dos povos indígenas.

Ao longo da história recente da Igreja, poucos papas dialogaram de forma tão intensa com a cultura quanto Francisco. João Paulo II, o polonês Karol Wojtyła, que foi ator e dramaturgo em sua juventude, ficou conhecido como o “Papa Pop” pela aproximação com a juventude e seu diálogo aberto com o mundo artístico.

Sem estabelecer comparações, é fato que Francisco ampliou essa relação: compreendeu a cultura não apenas como meio de evangelização, mas como parte intrínseca da dignidade humana. Seu legado se estenderá pelos altares, mas também pelos palcos, telas, florestas e periferias do mundo.

Jorge Mario Bergoglio nasceu em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, Argentina. Ingressou na Companhia de Jesus em 1958 e foi ordenado sacerdote em 1969. Tornou-se arcebispo de Buenos Aires em 1998 e cardeal em 2001. Eleito Papa em 13 de março de 2013, adotou o nome Francisco, tornando-se o primeiro latino-americano e primeiro jesuíta a assumir o pontificado.

Não cabe estabelecer comparações, mas é fato que Francisco ampliou essa relação: compreendeu a cultura como meio de evangelização e, mais do que isso, como parte intrínseca da dignidade humana. Seu legado se estenderá pelos altares, mas também pelos palcos, telas, florestas e periferias do mundo.

Nos últimos meses, já debilitado fisicamente, sua lucidez permaneceu. Em fevereiro de 2025, celebrou a Missa do Jubileu dos Artistas e do Mundo da Cultura, na Basílica de São Pedro. Ali, mais uma vez, renovou seu apelo:

“Vós, artistas e pessoas de cultura, sois chamados a ser testemunhas da visão revolucionária das Bem-Aventuranças. A vossa missão não se limita a criar beleza, mas a revelar a verdade e a bondade escondidas nos recantos da história, a dar voz a quem não tem voz, a transformar a dor em esperança.”

Encontros marcaram seu olhar para a cultura

Caetano lhe entrega carta sobre violência e juventude na Bahia/ Foto: Vaticano/Média (reprod. Internet)

Em sua caminhada como pontífice, Francisco abriu as portas da Igreja para a cultura viva. Compreendia a arte como expressão do espírito humano e tratava encontros com artistas não como eventos protocolares, mas como momentos de real escuta.

Francisco insistia em mostrar a cultura como uma essência viva da experiência humana. E ao longo desses anos recebeu artistas, músicos, atores, indígenas e comediantes de todo o mundo, sempre reforçando a arte como instrumento de aproximação entre os povos.

No Sínodo para a Amazônia, realizado em outubro de 2019, Francisco recebeu lideranças dos povos Yanomami e Kayapó, reafirmando a urgência da preservação da floresta e da valorização das culturas ancestrais.

Dirigiu-se aos presentes destacando que o Evangelho é semelhante a uma semente lançada ao solo, que cresce absorvendo as características da terra onde germina. Ao se referir à região amazônica, ele alertou para os riscos representados pelas novas formas de colonização.

No Sínodo à Amazônia, com os indígenas. Foto: Vaticano/Média (reprod. Internet)

Na Jornada Mundial da Juventude, no Brasil, em 2013, afirmou que “a cultura não é uma relíquia a ser guardada, mas uma semente a ser cultivada”. Na ocasião recebeu Dilma Rousself e cumprimentou Fafá de Belém. A música, aliás, também foi uma constante nesse percurso.

Em seu aniversário de 86 anos (2022), ele foi homenageado pela violinista brasileira Mary Rodrigues. A resposta do Papa foi breve e precisa: “A música fala diretamente à alma, onde as palavras não chegam.” Em setembro de 2023, Caetano Veloso foi recebido no Vaticano e entregou-lhe uma carta preocupada com a violência na Bahia.

Outra coisa que não lhe faltava era humor. Em 2022, quando a jornalista Maria Beltrão lhe presenteou brigadeiros e ouviu, em troca, a pergunta espirituosa: “Cachaça é água?”, arrancando sorrisos num ambiente que unia Brasil e Vaticano.

Em 2024, Fábio Porchat, Cacau Protásio e Cris Wersom participaram de um inédito encontro de comediantes no Vaticano — um gesto que revelou a importância dessa arte para a construção da paz. E assim, ele incentivou artistas a serem “sentinelas da beleza” e, via a criação artística, uma forma de resistência à indiferença e à violência.

“A arte nos lembra que somos mais do que consumidores ou espectadores; somos criadores, participantes da beleza do mundo”, afirmou durante uma audiência com atores, músicos e artistas plásticos no Vaticano.

Cinema: seis filmes que traduzem Francisco

Papa Francisco, um Homem de Palavra (Dir. Win Wenders). Foto: Reprodução/Internet

Sua relação com a cultura não se limitou às trocas pessoais. Francisco inspirou narrativas no cinema.

O primeiro grande retrato veio com “Francisco: O Papa do Povo” (2015), dirigido por Beda Docampo Feijóo. Baseado no livro da jornalista Elisabetta Piqué, o filme percorre a juventude de Jorge Mario Bergoglio, suas crises internas e o despertar de sua vocação espiritual em meio às turbulências políticas da Argentina.

No mesmo ano, o cineasta italiano Daniele Luchetti lançou “Chiamatemi Francesco” (“Chamem-me Francisco”), uma narrativa mais afetiva que destaca o trabalho pastoral de Bergoglio nas periferias de Buenos Aires e suas atitudes firmes durante os anos da ditadura militar.

Papa Francisco

Pouco depois de sua eleição, em 2013, surgiu o documentário “Francisco de Buenos Aires”, dirigido por Miguel Rodríguez Arias e Jorge A. Hiba. O filme oferece um olhar mais íntimo, mesclando depoimentos de amigos, colegas e registros históricos para compor a figura humana antes do pontificado.

Mas foi em 2018 que Francisco se tornou protagonista de uma obra ainda mais singular: “Pope Francis: A Man of His Word” (Papa Francisco, um Homem de Palavra), dirigido por Wim Wenders.

Neste documentário autorizado pelo próprio Vaticano, Francisco fala diretamente à câmera, sem intermediários, discorrendo sobre temas como pobreza, imigração, meio ambiente e fé, num tom confessional e humanizado.

Dois papas (Dir. Fernando Meireles). Foto: Reprodução/Internet

Já no campo da ficção, Francisco foi retratado em “The Two Popes” (2019), filme de Fernando Meirelles. A trama, inspirada em eventos reais, dramatiza o encontro entre o então Papa Bento XVI (Anthony Hopkins) e o cardeal Jorge Mario Bergoglio (Jonathan Pryce), explorando diálogos imaginários sobre fé, renúncia e futuro da Igreja.

Em 2020, a trajetória do pontífice também foi retratada no documentário Francesco, dirigido por Evgeny Afineevsky. O filme se destacou por abordar, de maneira intimista e abrangente, temas centrais do pontificado, como a crise climática, a migração, a desigualdade social e os direitos humanos.

Revelando o Papa Francisco como uma liderança comprometida com as urgências do mundo contemporâneo, o documentário apresenta entrevistas exclusivas e imagens raras que reforçam seu papel de defensor incansável da dignidade humana.

Acabei esquecendo de citar, mas já que estamos falando de cinema, vale lebrar que em 2023, Papa Francisco também recebeu Fernanda Montenegro e Fernanda Torres em um encontro privado, em Roma. E a seguir, link do trailer oficia do documentário, disponível na GloboPlay – Papa Francisco, um Homem de Palavra. Na galeria outras fotos do documentário, dirigido por Win Wenders.

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