O que Belém lê, assiste, frequenta e celebra? A pesquisa Cultura nas Capitais trouxe um raio-x do consumo cultural na cidade e revelou tendências, desafios e oportunidades para o setor. Em meio a um cenário de mudanças de hábitos e dificuldades de acesso, algumas práticas se mantêm vivas e outras pedem atenção urgente de gestores e produtores culturais.
Na última terça-feira, Belém recebeu a equipe do JLeiva Cultura e Esporte para a apresentação dos resultados da pesquisa, realizada em todas as capitais e no Distrito Federal, com 19.500 entrevistas conduzidas pelo Instituto Datafolha. Em Belém, 600 pessoas foram ouvidas em 60 pontos diferentes, traçando um panorama dos hábitos culturais na cidade.
Os dados apontam uma retração na participação popular em manifestações culturais, especialmente em festas populares, dança e bibliotecas, comparado ao estudo de 2017. No entanto, atividades como leitura de livros e visitas a museus e exposições seguem em alta, demonstrando a importância de iniciativas institucionais e educacionais.
O evento foi conduzido por João Leiva e Ricardo Meirelles e contou com debates sobre desafios estruturais no acesso à cultura. A primeira mesa, Acesso à Cultura nas Capitais: Desigualdade e Diversidade, reuniu a secretária de Cultura do Estado, Úrsula Vidal, a secretária municipal de Cultura, Cilene Sabino, e a diretora da Casa de Cultura de Canaã dos Carajás, Gabriela Feitosa.

Úrsula observou que a cultura está sempre disputando orçamento com outras áreas consideradas prioritárias, como educação e segurança que na verdade devem ser politicas integradas. Percebemos que as pessoas querem consumir cultura, mas esbarram em obstáculos básicos.
O acesso à cultura também depende de mobilidade urbana, educação e saúde, que o poder publico precisa enxergar repensar orçamentos que não disputam, mas se somem.
Cilene Sabino ressaltou que a falta de uma divulgação eficiente é um entrave e acredita que é preciso investir em estratégias mais eficazes para que a população conheça e participe das iniciativas culturais disponíveis. Ela tem razão, pois o que se observa também é que as coisas quando são divulgadas ainda é feito com pouca antecedência, muita gente nem vê ou quando vê, o evento já passou.
Gabriela Feitosa apontou a burocracia como barreira ao acesso de artistas populares a editais culturais, e relatou o sucesso da iniciativa das inscrições por vídeo. “Muitos fazedores de cultura têm dificuldade de acessar recursos por conta da burocracia. Uma solução que implementamos foi aceitar inscrições via vídeo em editais, o que ampliou a participação de artistas populares”.
Desafios e possibilidades

A segunda mesa, Hábitos Culturais: Música, Espaços e Eventos, contou com a participação de Marcel Arêde, Renee Chalú e minha, representando o Holofote Virtual e o Projeto Circular Campina Cidade Velha. O painel destacou a relação entre eventos culturais e acesso da população.
Renee Chalú comentou sobre o desafio da descentralização: “A descentralização dos eventos culturais é um caminho fundamental. Se levarmos a música para além do centro, teremos um público novo e mais diverso”.
Belém segue a tendência nacional de queda na frequência a espaços culturais, reflexo da pandemia e das desigualdades socioeconômicas. Apesar disso, a cidade se destaca pela alta participação em feiras do livro, apontando para o sucesso da Feira Pan Amazônica do Livro, ficando atrás apenas de Porto Alegre. O envolvimento em festas populares, visitas a locais históricos e atividades de dança também demonstram uma forte ligação da população com manifestações culturais de raiz popular.
O acesso ao cinema e ao teatro segue em queda, especialmente entre o público acima de 60 anos, impactado pelo aumento do consumo via streaming, falta de segurança e dificuldades de mobilidade urbana. A concentração das salas de cinema em shoppings também limita o acesso.
O Theatro da Paz permanece como um dos espaços culturais mais frequentados, o que se deve não somente aos espetáculos e concertos realizados gratuitamente, mas as visitas guiadas que reúnem além do turista, a população local. Já o Círio de Nazaré, sem surpresas, reafirma seu papel central na cultura local.
Vale ressaltar que além da festa religiosa, a festa movimenta uma ampla cadeia produtiva, com festivais, cortejos e programações culturais ao longo da semana que antecede a grande procissão. A pesquisa também revelou que a maioria dos entrevistados associa cultura ao bem-estar e defende o investimento público na área.

A necessidade de descentralizar a cultura foi amplamente debatida. A concentração de espaços culturais no centro da cidade dificulta o acesso da população periférica. Sugestões incluíram a ampliação de circuitos culturais em bairros afastados e programas de transporte público gratuito aos finais de semana. A ideia, proposta pela secretaria de cultura pode ser mais potencializada, ainda, se houver parceria com as iniciativas dos produtores locais. Principalmente dos eventos que mobilizam um publico maior.
A soluções passam por maior investimento das políticas públicas em promover festivais de teatro, em comunicação, descentralização, acessibilidade e revisão de políticas públicas, potencialização das parcerias com a sociedade civil, garantindo que mais pessoas possam se beneficiar.
E mesmo quando se fala em descentralizar é preciso ter em mente que não basta levar ou investir em cultura nos territórios periféricos, é preciso fazer com que o publico do centro e da periferia se frequentem. Para tudo isso, é necessário um olhar estratégico, sensível e sustentável para o setor.
Alguns dados sobre o acesso à cultura em Belém:
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Interesse e potencial de público:
- Em algumas áreas culturais, se o público potencial (aqueles que gostariam de ir, mas não foram) de fato comparecesse, o acesso dobraria.
- Exemplo: 30% dos entrevistados foram a alguma atividade de dança; outros 27% gostariam de ter ido.
- No teatro, 21% foram, enquanto 35% manifestaram alto interesse.
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Espaços culturais mais frequentados:
- O Theatro da Paz é o espaço cultural mais visitado em Belém.
- Estação das Docas e Museu Paraense Emílio Goeldi são conhecidos por mais de 90% dos entrevistados.
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Eventos culturais mais importantes:
- O Círio de Nazaré foi apontado como o evento cultural mais significativo da cidade.
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Festas populares:
- 81% dos entrevistados participaram de festas juninas.
- 52% foram a blocos de Carnaval.
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Música e mídia:
- O estilo musical mais ouvido em Belém: MPB (27%).
- Celular é o principal meio para ouvir música.
- TV e celular são os meios mais usados para assistir filmes e séries.
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Prática de atividades culturais:
- 40% dos entrevistados realizam pelo menos uma atividade cultural.
- A maioria associa cultura ao bem-estar e defende investimento público na área.
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Visitação a museus e exposições:
- O Museu Emílio Goeldi foi o mais citado entre os últimos visitados.
- 15% dos entrevistados acessaram coleções de museus online.