No ano de 2125, Belém do Pará já não existe como a conhecemos. No lugar da cidade das mangueiras, uma paisagem distópica abriga artefatos de um museu vivo que tentam, pela última vez, entoar os cantos de suas memórias antes que o céu desabe.
Esse é o ponto de partida do espetáculo “IA – Inteligência Ancestral”, que estreia no Teatro Universitário Cláudio Barradas nesta quinta-feira (10), com sessões às 18h e 20h, até domingo (13).
A montagem é resultado de um processo colaborativo da Escola de Teatro e Dança da UFPA, reunindo cursos técnicos e licenciatura em Teatro, além de Cenografia, Figurino e Produção Cênica. A proposta une arte, tecnologia e ancestralidade para propor uma reflexão urgente sobre o presente.
“A ideia de unir tecnologia e memória ancestral está justamente questionando o espaço do ancestral como o antigo, o ultrapassado”, afirma a diretora Andréa Flores. “É um paradoxo, é uma provocação. O que é ancestral é de uma profunda tecnologia. E aquilo que é antigo é necessário para a construção de um futuro.”
A dramaturgia, construída com a turma do Curso Técnico em Teatro de 2023, rompe com a lógica tradicional de textos fixos e propõe um caminho aberto, em que a cena é construída em processo.
“A dramaturgia colaborativa é um desafio nosso. Não partimos de um texto prévio, partimos de um tema, e essa dramaturgia é construída no processo. Isso rompe com uma tradição antiga e é também uma tentativa de conversar com uma certa descolonização do teatro”, reflete a diretora, ao lado de Carmem Virgolino (também diretora) na encenação e dramaturgia .
Ficção do futuro como crítica ao presente

Na peça, o uso de um futuro imaginário não é uma aposta em ficção científica escapista, mas uma ironia que lança luz sobre as dores do tempo presente.
“Falar em futuro num presente distópico é um discurso sobre o presente”, provoca Andréa. “Talvez não tenhamos outra alternativa senão retornar, voltar à memória ancestral, às tecnologias ancestrais, à memória dessa terra para que a gente tenha condições de vida.”
A Belém do século XXII dá lugar a uma Belém simbólica, enraizada nas referências ancestrais do território. A escolha do local está diretamente relacionada ao resgate das memórias originárias.
“A gente usa o espaço de Belém por causa do símbolo de Mairi, em conversa com a história dos povos Tupinambá. Mas poderíamos pensar em toda a Amazônia. É um território carregado de significado afetivo e histórico, mas também profundamente vilipendiado pelos discursos de desenvolvimento e de suposto atraso em relação às comunidades tradicionais”, destaca.
No espetáculo, essas memórias — tão violentadas historicamente — são resgatadas como potência. “Longe de serem atrasos, esses discursos são a própria resistência de um futuro possível”, afirma a diretora.
Imersão sensorial

Com apenas 25 pessoas por sessão, “IA – Inteligência Ancestral” aposta em uma experiência intimista e imersiva. O público é convidado a percorrer rios e fios de memória, conduzido por vozes que ecoam tanto em cena quanto em off — entre elas, Glicéria, Marcilio, Moara e Cacique Gilson Tupinambá.
A encenação conta ainda com direção musical de Thales Branche e vocal de Karimme Silva. A visualidade, que une cenografia, figurino e iluminação com elementos estilizados por inteligência artificial, está a cargo de Jorge Torres e Grazi Ribeiro, com criação coletiva.
SERVIÇO
Os ingressos estarão à venda uma hora antes de cada sessão na bilheteria do Teatro Cláudio Barradas (Travessa Dom Romualdo de Seixas com Rua Cônego Jerônimo Pimentel, Umarizal). Os valores são R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).