Entre memórias, LPs, afetos e palavras, estreamos a série ‘biografias’ com Clemente Schwartz, jornalista, cantor e produtor cultural que durante mais de duas décadas foi uma figura presente e querida da cena cultural de Belém – Entrevista n. 01 / Parte 1
Jornalista atuante no Diário do Pará, cantor de voz marcante e referência afetiva entre artistas, produtores e colegas de redação, ele transitou com naturalidade entre a crítica musical, o palco e as rodas boêmias da cidade. Sua trajetória ajudou a contar — e a cantar — uma parte importante da história cultural paraense.
Há muito tempo eu queria entrevistá-lo. Trabalhamos juntos no jornal, dividimos o caderno de cultura, trocamos paixões pela música e pelo jornalismo cultural. Antes mesmo do trabalho, estivemos juntos em vários momentos na casa dele ou na minha, para ouvir discos, bater papo, a gente tinha e segue tendo tanta coisa em comum.

Cleo levava seus vinis para gravarmos fitas K-7. Posso dizer que ele é um dos meus gurus musicais dos anos 1980. E sempre soube que ouvir suas histórias seria como abrir um álbum de memórias vivo — com trilha sonora, bastidores e poesia.
A entrevista demorou a acontecer , mas chegou a hora. Cleo hoje vive em Bragança, nossa terra natal, devo dizer. Dividir essa conversa aqui é, ao mesmo tempo, celebrar a trajetória de quem viveu cenas com profundidade. E é assim que juntos vamos começar a contar sua jornada.
“Nasci em 20 de julho, Dia Internacional da Amizade, e eu sempre achei que isso tem tudo a ver comigo”, começa Cleo. “Desde criança, os amigos sempre foram meu maior patrimônio.”
Clemente nasceu e cresceu em Bragança nos anos 60 e 70, numa casa com seis irmãos mais velhos, muito afeto e um caldeirão sonoro onde ecoavam desde a Era do Rádio até os Beatles.
“Minha mãe cantava lindamente, sabia todas da Carmen Miranda, Marlene, Emilinha Borba. Eu aprendi ouvindo ela cantar, à capela, enquanto cuidava da casa. Décadas depois, quando escutei Bethânia ou Ney Matogrosso interpretando essas músicas, eu já sabia de cor.”
O insight definitivo veio com Secos & Molhados. “Vi eles no programa da Hebe, em 1973. Falei pro meu pai: ‘quero esse disco’. No dia seguinte, estava com ele debaixo do braço. Foi o primeiro de quase dois mil LPs que acumulei na vida.”
Da banca de revistas à música e ao jornalismo cultural

Ainda menino, Cleo descobriu o jornalismo pela revista Pop, depois pelas edições de Manchete, Cruzeiro e Fatos & Fotos. “Era apaixonado por revistas. A Pop me abriu os olhos para o jornalismo cultural. Tarik de Souza, Ana Maria Baiana, Big Boy… eles foram mestres pra mim.”
Mais tarde, já em Belém, Cleo entrou no Diário do Pará pela porta do layout, quando o jornal passou a ser impresso em cores, mas a paixão pelas palavras logo o levou ao caderno de cultura. “Quando vi, já era repórter. Depois, editor interino. Foram 14 anos de muito aprendizado e intensidade.”
Enquanto o jornalismo ganhava corpo, a música sempre esteve por perto. Cantou na banda Nó Cego e depois se tornou vocalista da Solano Star, ao lado de Cláudio Coimbra. “As músicas que a gente fazia eram meio rock’n’roll romântico, com pegada de Jovem Guarda. Simples, mas cheias de alma.”
O amor por canções “chiclete”, como ele mesmo define, não é menor do que o amor por composições com conteúdo. “Quando uma música consegue ser grude e, ao mesmo tempo, ter qualidade, me derruba. Como ‘Carinhoso’, ‘Mama África’, ‘O que é, o que é’, ‘Vapor Barato’… Se é pra ser chiclete, que seja Adams.”
Depois de décadas em Belém, a volta ao lar

Em 2006, Cleo voltou a morar em Bragança, como correspondente do Diário do Pará. Desde então, reencontrou a cidade com olhos de quem conhece suas entranhas e afetos. “Bragança é minha dádiva. Tenho amigos de infância, amizades de três gerações. Aqui me sinto em casa. Aqui eu respiro.”
A casa dele, por sinal, se tornou ponto de encontro da juventude musical local, e seu quintal virou palco de ensaios, festas, descobertas. “Faço produção pra artistas daqui, organizo shows no Teatro do Liceu e recebo gente o tempo todo. Minha casa vive em festa, como sempre foi.”
Mais recentemente, veio novidade. Cleo lançou o clipe da música “Vento Lento”, com letra de Dênio Maués e melodia de Cláudio Coimbra. A gravação foi feita entre Bragança e Brisbane, na Austrália, onde Coimbra reside. “Ele tocou tudo lá, eu gravei a voz aqui. O resultado foi lindo. Filmamos com amigos, com direção de Beto Persi. Recebemos muitos elogios. Foi um presente da Lei Aldir Blanc, mas também um presente pra mim.”
[Continua…]
Na próxima matéria da série, vamos mergulhar na efervescente cena cultural de Belém, onde Clemente Schwartz viveu por mais de duas décadas. Das noites da Adega do Rei aos festivais de rock no Waldemar Henrique, ele foi testemunha – e protagonista – de um tempo inesquecível.