Quase 60 anos depois de sua explosão nos palcos e na cena fonográfica do Brasil, o movimento tropicalista ainda pulsa e reverbera no país. Em Belém, essa chama volta a arder no espetáculo “Tropicália”, que reúne três vozes amazônicas: Joelma Kláudia, Olivar Barreto e Renato Torres.
O reencontro ocorre nesta sexta-feira, 9 de maio, às 21h, na Casa Apoena, mais de dez anos após a estreia da primeira edição do show.
O projeto musical que une Joelma, Olivar e Renato celebra o legado do movimento com novos arranjos para um repertório atualizado em relação a temporada anterior.
Idealizado em 2013, o espetáculo nasceu em meio a um contexto de inquietação política que, para os artistas, ressoava o espírito de resistência dos anos 1960.
“Fazer esse espetáculo é um prazer enorme, enormíssimo. Prazer para todos os integrantes, toda a banda que participa e para o público também. É um repertório super pra cima”, afirma Olivar Barreto.
“Começamos esse projeto num momento em que a história política do Brasil começava a desandar. Logo veio o impeachment da Dilma, e a gente foi percebendo a coincidência entre o repertório — criado como resposta à repressão da ditadura — e o que estávamos vivendo.”
Para Olivar, o show permaneceu atual ao longo dos anos. “Depois tivemos quatro anos de retrocesso horrorosos, que causaram uma ferida enorme no Brasil, e que ainda ecoa. Por isso tudo, achamos que o espetáculo continuava necessário. E o público adora, recebe muito bem. É um espetáculo maravilhoso, com um astral fora de série. É colorido, um desbunde, uma catarse coletiva.”
Além da força do repertório, o espetáculo também se sustenta na cumplicidade entre os músicos. “Esse projeto fala de amizade e respeito mútuo que nutrimos uns pelos outros”, destaca Joelma Klaudia.
“Renato Torres e Olivar Barreto são excelentes artistas e me ensinam muito a cada contato. A junção da banda gera a grande energia que esse encontro proporciona. A gente se diverte desde os ensaios — é sempre um misto de afeto e trabalho musical.”
Trajetórias com identidade
Cada um dos três protagonistas traz à cena sua própria trajetória artística, profundamente marcada pela experimentação.
Joelma Kláudia, por exemplo, é conhecida por seu timbre potente e interpretação visceral. Dos canto do Xingu à cena urbana de Belém, ela construiu um caminho musical comprometido com a diversidade e a força da mulher amazônida.
Olivar Barreto, com sua formação em canto popular e passagem pela cena cultural de Paris, soube fundir diferentes referências em sua obra.
Já Renato Torres, poeta, compositor e instrumentista, completa mais de 30 anos de carreira explorando os cruzamentos entre música, literatura e cena.
A formação da banda que acompanha o trio também reforça o peso do espetáculo. Renato assume a guitarra, Rafael Azevedo comanda o baixo, Rodrigo Ferreira responde pelos teclados e Many segura a levada na bateria.
Juntos, eles constroem uma atmosfera que remete aos delírios psicodélicos dos festivais da década de 1960, sem deixar de imprimir uma identidade amazônica — híbrida, atual.
Os figurinos evocam aquela estética colorida, provocativa e original. O show propõe uma viagem afetiva e sensorial.
“É uma forma de dizer que ainda estamos aqui, em resistência criativa, como propunham os tropicalistas. A arte continua sendo uma trincheira, mas também uma festa”, comenta Joelma.
- Reprodução/Instagram
Arte em estado de invenção
Em 1967, em plena ditadura militar, nascia no Brasil a Tropicália — um movimento artístico que rompeu fronteiras ao misturar a música popular brasileira com o rock psicodélico, a arte pop, a poesia concreta e o teatro experimental.
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes e Tom Zé se uniram para propor um Brasil reinventado, antropofágico, que devorava referências do mundo para recriá-las com liberdade e ironia. O disco inaugural do movimento é “Tropicália ou Panis et Circencis”, lançado em 1968.
Entre as canções que marcaram a Tropicália, “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso, se destacou ao romper com a tradição da MPB ao incorporar guitarras elétricas e uma lírica urbana e existencial.
Já “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, misturou narrativa popular com arranjos psicodélicos dos Mutantes e do maestro Rogério Duprat, provocando impacto já nos festivais de 1967.
E “Baby”, também de Caetano, eternizada na voz de Gal Costa, deu tom pop ao movimento, ao mesmo tempo doce e crítica, revelando o olhar tropicalista da época.
Serviço
Show Tropicália. Com Joelma Kláudia, Olivar Barreto e Renato TTorres. Sexta-feira, 9, às 21h, na Casa Apoena – Rua São Boaventura, 171, Cidade Velha, Belém (PA). Ingressos: R$ 25 (1º lote), à venda pelo Sympla e na bilheteria do local.