No dia 21 de março, Belém deveria celebrar os 132 anos de nascimento de Bruno de Menezes (1893-1963), poeta, jornalista e folclorista que deu voz à cultura negra na Amazônia e deixou um legado inestimável para a literatura brasileira. No entanto, em vez de homenagens e celebração por sua memória, estão atos de desmonte e descaso com o patrimônio cultural da cidade. A denúncia está nas redes sociais.
“Começou na Semec Belém a desmontagem do Memorial Bruno de Menezes do Modernismo paraense. A atual administração municipal, de Igor Normando (MDB), mais uma vez desrespeita a literatura paraense”, desabafou o professor, poeta e escritor Paulo Nunes, curador do espaço, que se refere também ao recente cancelamento da compra de livros de escritores paraenses para as escolas municipais.
Criada na gestão do então prefeito Edmilson Rodrigues, a Casa Bruno de Menezes foi instalada em um prédio anexo ao Palacete Pinho – sede da Escola Municipal de Artes (EMAB) – reunindo parte do acervo do escritor, doado pela família, além de obras de outros autores que marcaram o modernismo paraense.
Desmontado de forma abrupta, segundo relatos, o acervo de Bruno de Menezes será devolvido, ainda que os livros e outros pertences do escritor tenham sido agregados ao espaço sob regime de comodato, por 20 anos. “Eles não querem, não interessa para eles a memória do Bruno de Menezes”, lamenta uma fonte que prefere não se identificar.
O espaço, inaugurado em agosto do ano passado, tinha como objetivo valorizar o Movimento Modernista brasileiro, que teve marco inicial na Semana de Arte Moderna de 1922. Entretanto, o atual governo municipal parece seguir um caminho oposto.
Literatura e resistência da cultura negra na Amazônia
Nascido no bairro do Jurunas, em Belém, Bruno de Menezes enfrentou desde cedo dificuldades econômicas e sociais, mas encontrou na literatura uma forma de resistência. Foi membro da Academia Paraense de Letras, um imortal.
Em 1923, fundou a Revista Belém Nova, alinhada ao movimento modernista brasileiro, e, em 1931, publicou Batuque, obra que trouxe para a poesia nacional a musicalidade, a religiosidade e a força do povo negro amazônico. Seu trabalho deu visibilidade às tradições afro-brasileiras e denunciou o apagamento cultural e social que persistia na época.
Não por acaso, seu legado segue incomodando aqueles que preferem uma Belém sem memória e sem identidade. Se o desmonte do Palacete Pinho for concluído, a cidade perderá mais do que um espaço físico: perderá um centro de formação artística, um memorial literário e uma conexão com sua própria história.
O que está acontecendo em Belém não é um caso isolado. A cultura, historicamente, enfrenta ciclos de apagamento e resistência. No entanto, como nos ensina Bruno de Menezes, a memória de um povo não se apaga sem luta. Ele escreveu sobre sua gente, deu voz à cultura afro-amazônica e denunciou o apagamento social que persistia em sua época. Sua obra foi essencial para consolidar uma identidade cultural e histórica que, ainda hoje, precisa ser defendida.
Ameaça de privatização com argumentos infundados

A administração de Igor Normando (MDB) não se limita ao desmonte da Casa Bruno de Menezes do Modernismo Paraense. O Palacete Pinho, um dos poucos espaços públicos dedicados à arte e à cultura na cidade, está inteiro sob ameaça de ser privatizado, anúncio de Igor Normando em entrevista a um programa de televisão, antes mesmo de ser eleito.
A justificativa oficial? “Subutilização”. A palavra, historicamente usada para justificar cortes e privatizações, mais uma vez surge como eufemismo para o desinteresse em preservar a memória e a cultura local.
Além de sua importância arquitetônica, o palacete foi restaurado e reinaugurado em 2024 com recursos públicos e com a missão de abrigar, por meio da EMAB, cursos de música, teatro, dança, cinema e artes visuais, formando jovens artistas e oferecendo atividades gratuitas à população.
Longe de estar subutilizado, o espaço representava uma conquista coletiva, fruto do esforço de educadores e artistas para garantir o acesso à cultura, mas de acordo com fontes ouvidas pela reportagem, professores da Escola de Arte já foram forçados a sair para evitar cortes salariais relacionados à perda de gratificações.
Objetos simbólicos da educação como o bonecão de Paulo Freire e da Matinta Pereira, criados pelo Mestre Cuité da Marambaia, foram despachados para escolas sem critérios claros – sob a ameaça de serem descartados. Além disso, os livros que comporiam a biblioteca de arte do Palacete não serão mais adquiridos.
O desmonte também atinge a parte musical do projeto. Instrumentos musicais que levaram quase três anos para serem adquiridos via licitação foram transferidos para o Liceu do Paracuri, onde, segundo uma fonte, não há estrutura adequada para armazená-los. “Tem até violoncelo, só para você ter uma ideia”, denuncia a fonte.
Ao seguir com esse processo de desmonte, a gestão municipal do MDB expõe não apenas o descaso com a memória cultural da cidade, mas também a fragilidade das políticas públicas de preservação do patrimônio.