Entrar na exposição Tó Teixeira – Mergulho na Vida e Obra é, antes de tudo, aceitar um convite para desacelerar. Escutar com o corpo. Deixar que o tempo se acomode entre as imagens, os sons, os documentos, os silêncios. Não é sobre um artista apenas. É sobre um homem negro, mestre do violão, que atravessou o século XX com dignidade, mesmo quando a cidade lhe virava as costas.
Tó viveu, ensinou, tocou, costurou páginas, formou músicos, amou, foi esquecido, para depois ressurgir. No início da década de 1980, Miguel Chikaoka o conhece em uma homenagem do Theatro da Paz e depois o registra em sua casa. A primeira vez que ouvi falar em Tó Teixeira, assim como muitas outras pessoas que conheço, foi em 1997, quando seu nome foi emprestado à Lei de Incentivo à Cultura do Município Tó Teixeira que infelizmente hoje, é que está esquecida.
Depois, em mergulhos nas coleções de Vicente Salles levaram a jornalista e historiadora Rose Silveira a dedicar um capítulo de sua tese a ele. Em 2013, Salomão Habib faz ressurgir sua obra musical, por meio de uma extensa pesquisa que hoje apoia esta exposição que traz artistas de novas gerações passam também a ter contato com sua história. E assim, ele ressurge, mais do que nunca, inteiro, no centro de uma narrativa construída de forma coletiva e amorosa.
O projeto para a exposição Tó Teixeira – Mergulho na Vida e Obra foi selecionado pelo Programa Rouanet Norte, com patrocínio do Banco da Amazônia, Caixa, Banco do Brasil e Correios, e apoio institucional do Governo do Estado, por meio da Secult-Pa. A curadoria é de Alexandre Sequeira e a realização é da Kamara Kó Fotografias.
A coordenação geral é da produtora cultural Makiko Akao. Eu assumo a comunicação, jogo no time da produção executiva e da coordenação da programação cultural que inclui, além das ações no espaço expositivo e no auditório Eneida da Moraes, uma apresentação musical no Theatro da Paz, no dia 11 de junho – vem novidades aí. A exposição, de caráter híbrido e de ocupação, conta ainda com montagem e concepção de Nando Lima, que também assina a edição de vídeos, e Leno Martins.
Visita guiada aquece equipe, imprensa de mediadores

Na véspera da abertura que ocorre hoje (03/04), no Museu da Imagem e do Som do Pará, às 19h, tivemos o privilégio de participar de uma visita guiada voltada à imprensa e aos mediadores do MIS-Pa que irão conduzir o público até 30 de agosto, período em que a exposição ficará aberta.
O curador Alexandre Sequeira, junto com a equipe de produção e artistas convidados, apresentou o percurso como quem conduz uma caminhada em terra sagrada: “A principal pergunta da curadoria era como trazer o exemplo de amor pelo ofício do Tó para os dias de hoje. E de que maneira esse exemplo pode reverberar nos jovens que hoje, como ele um dia, ainda lutam por visibilidade num cenário seletivo e excludente.”, disse Sequeira.
A exposição se desdobra em três salas, que não seguem necessariamente uma ordem cronológica, mas sim uma trilha sensível — quase musical — entre imagens, memórias, pesquisa e escuta. O público chega e já é acolhido pelo gesto mais íntimo da mostra, um convite a entrar na casa do músico, que residia no bairro do Umarizal, em Belém do Pará.
Entre os materiais exibidos, estão também as fotos de Miguel Chikaoka feitas na oficina de encadernação de Tó, na residência-escola e em momentos cotidianos. As fotografias assinadas por Miguel Chikaoka também registram momentos históricos da homenagem feita a Tó no palco do Theatro da Paz, em 1980. Exatamente isso. Sua única e grande homenagem em vida.

O artista negro foi reverenciado por nomes da música paraense em um evento inédito naquele espaço, até então impermeável a trajetórias como a sua. As imagens, não restauradas inteiramente, mantêm as marcas do tempo — rachaduras, manchas, luzes que tremem — como quem insiste em preservar também as cicatrizes da história.
Em outra sala a atmosfera da sala é de recolhimento. Dedicada à pesquisa se encontra o acervo reunido pelo pesquisador, músico e violonista clássico Salomão Habib, que há décadas se dedica a documentar a obra de Tó Teixeira. Com generosidade, Habib abriu seu arquivo pessoal — partituras, documentos, imagens, recortes, gravações, cartas — que agora ganham corpo expositivo.
Cada elemento revela afetos. A presença de Zizi, o grande amor da vida de Tó, ganha destaque de maneira simbólica. Encontrar seu nome completo foi uma pequena odisseia, e trazê-lo à cena foi também um gesto de reparação. “Ele nunca mais encontrou ninguém que ocupasse aquele lugar”, confidenciou Sequeira sobre o amor de Tó e Dona Zizi.

Registros de um homem profundamente comprometido com a precisão, a didática, o ofício. “Tudo isso, para mim, continua sendo um exemplo de simplicidade, de precisão, de disciplina”, disse Miguel. Ele lembra que Tó deixava avisos em placas para os alunos, demonstrando um cuidado quase artesanal com o ensino.
Salomão, por sua vez, destaca a força de Tó como compositor e cronista musical de sua época. “A importância de Tó está na fotografia musical que ele fez de sua época, trazendo ritmos afro para o cancioneiro amazônico, como o Bambiá, um ritmo ancestral que seus antepassados escravizados repassaram a ele e que ele soube eternizar.” Para Salomão, tocar Tó é recobrar a história e pavimentar memórias eternas.
Também fazem parte desta sala os instrumentos originais de Tó Teixeira, restaurados com apoio de luthier e apoio técnico do professor José Alexandre, da Escola de Música da UFPA. Um cavaquinho, dois violões e um contrabaixo carregando décadas de som e resistência. “Será uma contribuição do projeto ao patrimônio cultural do Estado. E após a exposição os instrumentos permanecerão no museu”, diz Makiko Akao.

Uma terceira sala da mostra é dedicada ao audiovisual. Em um ambiente escuro e imersivo, o visitante assiste ao documentário assinado por Felipe Cortez, que entrelaça imagens de arquivo dos anos 1920 aos anos 1980 — com fragmentos da vida de Tó. É um filme que não pretende dar conta de tudo, mas criar espaço para sentir.
A sala também permite que se escutem os raríssimos registros sonoros da obra de Tó. O destaque é o disco gravado em 1978 pela UFPA, único registro de sua música feito por ele mesmo. Os demais que chegaram até nós foram gravados por Salomão Habib, a partir de seu projeto de pesquisa.
Outro destaque são os instrumentos originais de Tó Teixeira, um cavaquinho e um violão ressonador das décadas de 60 e 70, restaurados pelo Luthier Sebastião Galvão, e um contrabaixo que teve apoio técnico do professor da Escola de Müsica da UFPa, José Alexandre, um especialista em contrabaixos.
O contrabaixo de Tó, segundo ele, é uma raridade datada do século XVII, não se sabe, até o momento, se é uma réplica ou o original de um instrumento de três cordas, percussor do atual contrabaixo. São relíquias vivas que resistem ao tempo e testemunham a genialidade do artista.
Um gesto coletivo e necessário

O caráter colaborativo da curadoria foi outro ponto ressaltado. Desde os registros fotográficos até a pesquisa e a produção dos vídeos, tudo foi realizado de forma coletiva.
“É raro em uma produção esse nível de horizontalidade, onde cada pessoa sente que é também autora da mostra”, afirmou uma das produtoras. Entre os vídeos exibidos, há imagens raras de Belém do início do século XX até os anos 1980, extraídas de arquivos nacionais e universitários, que contextualizam o tempo e o espaço onde Tó viveu.
A força desta exposição está na maneira como ela articula diferentes linguagens — fotografia, som, vídeo, texto, instalação — e diferentes vozes. “É raro uma produção com esse nível de horizontalidade. Cada pessoa sente que é também autora da mostra”, afirmou uma das produtoras.
A curadoria, como ressalta Alexandre Sequeira, trouxe ainda o olhar de quatro artistas visuais: Dia Júnior, Bruno Rocha, Armando Sobral e Petchó Silveira que retrataram Tó Teixeira em momentos diferentes, dois deles feitos especialmente para a exposição, no caso de Dias Junior e Petchó. “É raro uma produção com esse nível de horizontalidade. Cada pessoa sente que é também autora da mostra”, afirmou uma das produtoras.
A programação paralela inclui workshop, apresentação musical, mostra de filmes e debates que em breve serão divulgados. A ideia é que a obra de Tó continue a circular, tocar, ecoar — nas mãos e ouvidos das novas gerações.
Ao final da visita, ficou evidente que a exposição não se limita a celebrar o passado. Ela também propõe uma conversa com o presente. “Quantos jovens negros periféricos estão hoje, como Tó esteve, tentando abrir uma brecha?”. A mostra, portanto, é também um chamado à escuta, à memória e à ação.
“Tó Teixeira – Mergulho na Vida e Obra” é uma experiência imersiva que emociona, provoca e celebra a importância de lembrar. Um gesto político de reconhecimento e reexistência.
DOMINGO
Neste domingo, 6 de abril, a exposição também estará aberta, das 9h às 13h, dentro da programação da 55ª edição do Projeto Circular Campina Cidade Velha. E no auditório Eneida de Moraes, das 9h às 12h, haverá dois lançamentos: do curta-metragem “A Aventura de Patyzuli no Círio”, animação produzida em stop motion, com direção de Nelson Nunes e Produção de Caroliny Pinho, e do documentário “Ritmos de Juaba”, da Lamparina Filmes, ambos produzidos pelos editais da Lei Paulo Gustavo.
O público também poderá assistir a versão completa do documentário Tó: Violão Mestre” (53 min.), de Felipe Cortez, com produção da TV Cultura do Pará. E haverá um bate papo com os realizadores sobre os desafios da produção audiovisual na Amazônia.
SERVIÇO
Exposição Tó Teixeira Mergulho na Vida e Obra. Abertura nesta quinta-feira, 3 de abril, às 19h, no MIS-PA – Centro Cultural Palacete Faciola. Até 30 de agosto, de terça a quinta, das 9h às 14h e de sewxta a domingo, das 9h às 17h. Gratuito. Av. Nazaré, 132 – Belém-Pa. Programação segue até 30 de agosto com mostras de filme, debate, oficina e apresentação musical. Mais informações @toteixeiramergulhonavidaeobra.