Casa da Memória traz a história cultural e social da cidade de Ponta de Pedras no arquipélago do Marajó

Estive em Ponta de Pedras, na Ilha do Marajó, para a pré-produção do Baile da Guitarrada, projeto que em breve chega ao município com apresentações e oficinas culturais. Aproveitei o tempo por lá para, a convite da produtora local, mergulhar na história viva da cidade.

Entre as experiências mais marcantes, está a visita à Casa da Memória de Ponta de Pedras, uma iniciativa de resistência, pertencimento e compromisso com a preservação das raízes locais.

Idealizada pelo professor Edinelson Martins de Castro, a Casa da Memória nasceu em setembro de 1999, logo após o incêndio que destruiu o antigo prédio da Prefeitura. O fogo não levou apenas paredes e móveis — consumiu também os livros de registro do município e um imenso acervo documental.

Foi a partir dessa perda que Edinelson iniciou um trabalho de resgate que ultrapassa o material: busca reconstituir, com a ajuda da própria comunidade, a memória afetiva e cronológica da cidade.

Ubiratan Tavares, do Círculo Operário de Ponta de Pedras e Edinelson castro, em frente a Casa da Memória. Foto: Holofote Virtual/Luciana Medeiros

A primeira ação prática desse processo foi a exposição “Raízes e Memórias”, realizada em 2007 no Salão Paroquial, com ampla participação da comunidade. O impacto foi tão forte que o motivou a criar um espaço permanente. Em 2021, o projeto ganhou estrutura jurídica com a criação da Associação dos Amigos da Casa da Memória de Ponta de Pedras (AACAMEPP).

“O que está aqui foi construído pelo povo. Cada peça tem uma história, veio de alguma comunidade, de alguém que acreditou nesse espaço”, explica Edinelson, que se declara pesquisador, voluntário e apaixonado pela história e pela cultura da sua terra.

O acervo é plural: fotografias, objetos domésticos, ferramentas de trabalho de ribeirinhos e seringueiros, peças do antigo comércio local, instrumentos de vaquejada, itens de festas religiosas e artefatos que remontam às práticas e modos de vida de gerações passadas.

“Tem coisa que eu mesmo vou buscar, boto no ombro e trago. Aqui tem um pedaço da história de cada canto de Ponta de Pedras”, diz ele com orgulho. Um orgulho que é compartilhado também pelos estudantes e pesquisadores que encontram na Casa da Memória um espaço de referência, especialmente para os trabalhos acadêmicos sobre o município e a cultura marajoara.

OA Casa por dentro. Foto: Holofote Virtual/Luciana Medeiros

Reestruturação e sistematização do acervo para consulta

Apesar da riqueza do acervo, o espaço enfrenta desafios. Atualmente, a Casa da Memória funciona numa sede cedida pela diretoria do Círculo Operário, e já começa a sentir o peso da expansão espontânea: faltam estrutura e recursos adequados para a conservação, catalogação e exposição das peças.

“Precisamos ampliar, reestruturar, construir uma fachada que reflita essa história. A ideia é transformar isso em um espaço acessível e museológico, onde a memória possa ser experienciada com dignidade”, afirma Edinelson.

Já com CNPJ e diretoria formada, a associação responsável pela Casa da Memória vem buscando apoio para viabilizar um projeto de reforma e revitalização, que inclui mudanças estruturais, digitalização de acervo e sinalização museográfica. A proposta é que, além de centro de pesquisa, o espaço também se torne um ponto de visitação turística, reforçando o papel da cultura como vetor de desenvolvimento local.

Um lugar cheio de histórias. Foto: Holofote Virtual/Luciana Medeiros

“Temos peças únicas, muitas delas anteriores à chegada dos colonizadores. Nossa missão é não deixar que essa história se perca”, resume o professor.

Entre essas relíquias está uma representação em madeira de Hermes — o mensageiro dos deuses. — que, deslocado de sua antiga morada em uma casa centenária da cidade, aguarda restauração para voltar a ocupar lugar de destaque. Símbolo potente de comunicação e travessia, ele também parece guardar a alma desse projeto.

A visita à Casa da Memória mostrou o que significa construir cultura com as próprias mãos. O que ali se preserva é um modo de viver, de narrar e de pertencer. E é nesse mesmo espírito que o Baile da Guitarrada se prepara para chegar à cidade, celebrando a música e a memória popular como forças vivas da nossa identidade.

Agradecimentos à Prefeitura Municipal de Ponta de Pedras, à Secretaria de Cultura e à equipe local, que nos recebeu e nos acompanha nesta jornada cultural.

Professor, artesão e colecionador de histórias

Professor Edinelson, responsável pela iniciativa. Foto: Holofote Virtual/Luciana Medeiros

Natural da fazenda Oriente, no município de Ponta de Pedras, Edinelson Martins de Castro é professor, pesquisador autodidata e artista popular. É um entusiasta da história local e um guardião das memórias do povo marajoara.

Além de liderar o projeto da Casa da Memória, dedica-se à produção de peças artesanais a partir de materiais encontrados na natureza — cocos, raízes, sementes e madeira — que transforma em esculturas, miniaturas de canoas, brincos e colares.

Entre as peças que criou está uma igarité artesanal feita de curatá, reproduzindo as embarcações tradicionais usadas antigamente para viajar até Belém, movidas apenas a vela. Também fabrica pequenos veleiros e brinquedos a partir de paus de cuia e fibra de tucumã. “A natureza nos dá tudo, só é preciso olhar e criar”, diz.

Amante das letras, Edinelson ressalta a obra de Dalcídio Jurandir, filho daquela terra, e que tem lugar de destaque no acervo da Casa da Memória. Ele afirma com convicção: “Não há casa mais autêntica do que aquela que é construída com a história viva das pessoas.”

 

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