
De acordo com a Associação Brasileira de Editoras (ABE), aproximadamente 60% dos brasileiros têm acesso regular a livros impressos, seja através de bibliotecas públicas, livrarias ou coleções pessoais. Paralelamente, na Internet, a cada dia, surgem novas iniciativas de digitalização e disponibilização de acervos em diferentes instituições, projetos independentes, editoras e até por meio de esforços pessoais de autores.
O Portal Domínio Público, por exemplo, mantido pelo Ministério da Educação, reúne quase 200 mil ítens digitalizados, entre textos, sons, imagens e videos, incluindo diversas obras literárias brasileiras em domínio público. Já a Biblioteca Nacional Digital conta com mais de 3 milhões de itens digitalizados (entre livros, periódicos, manuscritos, imagens etc.), incluindo obras literárias e científicas.
A quantidade de digitalizações cresce de forma contínua, assim como o acesso da população à Internet. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o acesso à internet no Brasil atingiu 82% da população em 2024, refletindo uma crescente digitalização das pessoas, o que consequentemente impacta diretamente o consumo cultural.
Na era das mídias digitais, o universo literário não é um caso a parte e também vive transformações profundas, é fato, mas a questão é até onde toda essa revolução digital também vem colaborando para o engajamento de leitores e escritores e um mercado editorial ativo, que inclua incentivos à criação, difusão da leitura e formação de leitores?
Neste mês que abre 2025, vamos trazer visões, opiniões e experiências neste campo para falar sobre mercado editorial na Amazônia e o impacto das tecnologias na criação e difusão literária. E a conversa de estreia é com Marcos Samuel Costa, escritor nascido em Ponta de Pedras, no Marajó, onde ele atualmente vive e trabalha.
Marcos Samuel observa o uso constante das redes sociais e comenta que é preciso “desacelerar”, para garantir tempo de leitura e de criação, mas que não enxerga as inovações digitais como inimigas. Para ele, a chave está em equilibrar a imersão na leitura e a participação em espaços virtuais que se dedicam à divulgação literária. “Eu produzo um podcast (Paisagens) sobre livros, eu ouço podcast sobre livros, mas também preciso dedicar o tempo à leitura e também para escrever, o que é algo mais complexo.”
Por outro lado, ele aponta que mesmo com as possibilidades da Internet, o mercado editorial segue enfrentando muitos problemas. “Digo isso como escritor e precisar vender livros, cada venda que fazemos é uma vitória, vender um livro numa campanha de pré-venda tem que ser muito celebrado. Ultimamente minha aposta é na minha editora, vendas pelo site, na pré-venda, e que de alguma maneira me ajuda a lidar com esse isolamento geográfico que me encontro muitas vezes. A tecnologia é uma aliada, mas vender um livro ainda é um desafio enorme,” disse.
Comunicação e outros acessos em desigualdade
Moro e trabalho no arquipélago do Marajó e questões simples, como postar um livro nos Correios, se tornam muito complexas. Sempre que vou fazer alguma postagem de algum livro vendido, o sistema está fora, entre outros problemas”.
Trazendo a questão mais para dentro da Amazônia, Marcos diz que “outros tantos abismos são percebidos. “Porque existentes eles já são”. Para ele “é necessário uma lente de sensibilidade para pensar o mercado do livro no Norte, em publicar e divulgar estando de onde estamos, vivendo da maneira que vivemos.
Para reagir a tudo isso, além de acesso à Internet e políticas públicas, o escritor defende o fortalecimento de uma rede de apoio reunindo comunidades, bibliotecas públicas, saraus, performances, contação de histórias, oficinas e outras atividades que despertam o prazer pela leitura e fortaleçam o mercado editorial local.
“O circuito literário, se pensarmos de maneira ampla como algo que leva acesso das pessoas aos livros, é muito diverso e formado por uma infinidade de iniciativas (governamentais e não governamentais) em prol do livro e da leitura, experiências muito profundas que marcam nossas trajetórias”, explicou.
Ele também acredita que escritores devem atuar em conjunto com o estado, família, escola e comunidade, para formar leitores. E relata ter ouvido, de um colega, que não seria “função” do escritor investir em ações de incentivo à leitura. Entretanto, discorda: “Nós, os escritores, realmente temos muito trabalho no processo da escrita, mas o que adianta a escrita sem os leitores? A formação de leitores é um trabalho conjunto. ”
Lançamento em 2025 – Perspectivas e esperança
Apesar das dificuldades, o escritor mantém-se otimista em relação à capacidade de resistência e adaptação do universo literário aos meios digitais. E acredita que, por meio de parcerias, projetos coletivos e uso criativo das tecnologias, é possível superar distâncias e construir um mercado mais sustentável e inclusivo para a literatura.
Este ano ele lança o último volume de sua tetralogia. “Os vulcões” (Prêmio BLVD Moda & Arte 2024 – júri com Edyr Augusto e Arthur Nogueira) é o quarto livro da série. O primeiro foi “No próximo verão” (2021, Editora Folheando), finalista do Prêmio Mix Literário e vencedor do Prêmio Literatura e Fechadura 2019.
Em seguida, vieram “Os abismos” (2022, também pela Folheando, finalista do Prêmio Literatura e Fechadura 2018) e “Os desertos” (Finalista do Prêmio Mix Literário 2023 e semifinalista do Prêmio Oceanos 2024).
*Marcos Samuel é escritor e produtor de conteúdo literário, mora no Arquipélago do Marajó (PA) e dedica-se à escrita e à difusão do livro no contexto amazônico. Esta entrevista faz parte de uma série de 3 reportagens que abordam a relação entre literatura, tecnologia e formação de leitores e escritores. Leia também os bate papos com Fábio Fonseca de Castro e Monique Malcher.