Fábio Fonseca de Castro é professor e pesquisador na Universidade Federal do Pará (UFPA), com formação em Jornalismo e forte atuação nas áreas de comunicação, cultura e estudos socioculturais da Amazônia. Vinculado à Universidade Federal do Pará (UFPA), Fábio transita entre a produção acadêmica, o exercício do pensamento crítico e a criação literária, o que lhe permite uma visão singular sobre as relações entre arte, sociedade e tecnologia.
Em suas reflexões, costuma investigar de que forma os processos socioculturais são atravessados pelas novas dinâmicas de troca de informação, principalmente no ambiente digital — espaço em que se tornam cada vez mais fluidas as fronteiras entre leitor e autor, texto e plataforma, experiência intelectual e entretenimento.
Como escritor, estreou na ficção com o romance O Réptil Melancólico, publicado pela Editora Record, obra que revela o diálogo entre seu olhar científico e a imaginação literária. No momento, ele prepara o lançamento de Apontamentos sobre A Cidade Imaginária de Belém, livro de contos que transita pelo Realismo Fantástico ao misturar elementos da ficção com referências históricas e científicas. Será dia 17 de janeiro, às 18h, no Sec Ver-o-Peso. Além disso, está finalizando seu segundo romance e um memorial acadêmico de caráter sociológico e antropológico.
Nesta entrevista, Fábio adianta informações sobre os lançamentos, mas sobretudo nos fala sobre os impactos das ferramentas tecnológicas no fazer literário, sem cair no simplismo de demonizar ou enaltecer em excesso o universo digital. Pelo contrário, ele propõe um olhar equilibrado, que valoriza o resgate de tradições orais, evidencia o caráter dialógico entre escritor e público e destaca as possibilidades de colaboração entre pares.
A intensidade das redes sociais, o fôlego para a pesquisa que a internet proporciona e a reorganização das formas de publicação e divulgação de obras são alguns aspectos abordados, sempre sem perder de vista a vitalidade da literatura — mesmo frente às transformações mais radicais.
Com longa trajetória também como jornalista, Fábio entende a força da palavra em múltiplas dimensões, sejam elas ligadas à reportagem ou à ficção. E, ao se debruçar sobre os desafios que a era digital traz aos escritores, chama a atenção para o quanto a interação com outros campos de conhecimento pode enriquecer o processo criativo.
É nesse trânsito — entre o rigor acadêmico e a imaginação literária — que ilumina as reflexões a seguir, convidando-nos a repensar nossas leituras e escritas de forma aberta e crítica, mas agora de forma talvez mais veloz e cheia de possibilidades.
ENTREVISTA – Fábio Fonseca de Castro
Na sua opinião, quais são, hoje, os principais impactos da tecnologia sobre a literatura?
F. C. : Podemos dizer que já convivemos historicamente com tecnologias que impactam sobre vários fazeres sociais. Notadamente sobre fazeres artísticos e culturais. Então nós convivemos desde que o mundo é mundo com mudança sociocultural. A partir daí nós precisamos perceber que há uma profundidade maior, em relação ao restante da experiência da humanidade no que tange ao impacto das tecnologias digitais e particularmente dessa mudança cultural que você se refere, sobre a velocidade e a intensidade das trocas e das trocas informacionais, informativas, na sociedade contemporânea.
Em relação à literatura, ainda é cedo para que a gente perceber a extensão desse impacto. Eu acredito que a literatura sempre conviveu com impactos. E com impactos produzidos pela mudança tecnológica, inclusive o mais profundo deles, talvez ainda mais profundo e mais impactante do que nós estamos vivenciando, foi o impacto da invenção da escrita.
Porque antes da inversão da escrita, havia literatura na sua forma oral e na verdade, nunca deixou de haver literatura oral, até hoje ela é muito importante, então a literatura, eu não acredito que ela se descaracterize, ou perca a sua essência, à luz dos impactos das novas tecnologias informacionais e digitais. Pelo contrário, eu acho que ela se renova. Penso também que particularmente em relação à velha tradição literária da oralidade, nós começamos a resgatar uma experiência de oralidade a partir das redes digitais e isso é muito saudável.
É possível que mude ainda mais drasticamente a forma com que consumimos e produzimos literatura?
F.C.: Você sabe que o próprio mundo da escrita em si, não literária, está sendo modificado profundamente. Nós somos jornalistas de formação, então nós, normalmente, os jornalistas, não acreditamos no fim do jornalismo, como falam, mas numa mudança estrutural do jornalismo, a partir desses impactos.
Talvez a Literatura atravesse uma mudança estrutural das práticas de leitura, mas é preciso de um distanciamento temporal para nós percebermos essa extensão. Por hora eu tendo a acreditar que estejamos convivendo e cohabitando com pequenos elementos de provocação que fazem com que a literatura precise produzir respostas para isso.
Há respostas muito interessantes. Nós vivemos uma literatura que se transforma em termos de dramaticidade de estrutura textual, de coesão textual, a partir justamente da experiência das redes sociais, e não condeno isso de maneira alguma, pelo contrário, eu acho que isso enriquece a literatura.
Penso que há várias tradições literárias que não estão diminuindo, pelo contrário, estão se renovando, então por exemplo, hoje nós temos um volume muito grande de poesia sendo escrita, porque a poesia vem sendo cada vez mais uma forma das pessoas expressarem as suas questões mais pessoais ou sociais. E encontrarem espaço de dizer alguma coisa que não seja da forma história escrita. Acho que podemos considerar isso também.
Neste sentido, como a tecnologia também pode impactar a produção literária?
F. C.: A tecnologia com todo o seu acervo com toda a sua oferta de informação de elementos de possibilidade de traduzir textos de uma língua que antes era inacessível, de encontrar material imagético, material informativo e material informacional em bancos de dados em acervos que você não teria acesso antes, eu penso que isso potencializa a atividade de criação literária. Imagino que se nós formos fazer uma sociologia da escrita na época contemporânea, eu imagino que muitos conflitos possam surgir dessa relação.
No que tange ao meu processo de escrita literária e também escrita científica, eu devo dizer que a Internet e toda tecnologia digital contemporânea oferece, ela me ajuda demais. Ela potencializa incrivelmente a minha a minha escrita primeiramente porque eu passo a ter acesso a cervos e a bancos de informação que eu não teria antes.
Em segundo lugar, porque eu posso, como eu disse, traduzir elementos de línguas que eu não compreendia. Em terceiro lugar porque eu posso ler muito, acesso a biblioteca e textos que antes eram muito caros e inacessíveis, impossíveis de ter a nossa disposição. Então isso é muito importante.
Como você observa essa relação de proximidade maior com leitores e crítico, pelas redes sociais?
A internet permite a interação, não apenas do escritor com o publico leitor, mas a interação social do escritor com outro escritores e produtores culturais e aqui eu incluo a expectativa da crítica literária também, da história literária e da teoria literária, que são interações muito ricas pra atividade de criação literária, como também a interação com comunidades com públicos que não são necessariamente os seus leitores, mas que são públicos com os quais nós interagindo, me parece conseguimos compreender melhor o mundo.
Compreender o que é lido, o que é visto, o que é pensado Isso ajuda muito a romper algumas visões normativas e mais tradicionais de visões de mundo que nós eventualmente tínhamos ou tivemos, e a cultura digital contemporânea colabora muito pra essa possibilidade de ver o mundo mais claramente a partir do olhar do outro.
É uma relação que eu imagino que seja muito diferente de escritor pata escritor, conforme eu vou dialogando com meus colegas que escrevem também e vou percebendo, é que há um repertório rico de interações de cada escritor com o seu público leitor.
É claro que alguns escritores têm uma habilidade imensa para estar presentes nas redes sociais. Eu não tenho essa habilidade de otimizar o meu tempo para estar muito presente nas redes sociais, infelizmente, porque gostaria de estar mais presente, mas ainda não consegui.
Outros autores vivem um pouco mais reclusos, porque a atividade literária, ela é uma atividade, até onde eu compreendo, pra mim, pelo menos, ela é uma atividade que requer uma certa solidão, certo isolamento do mundo. Pra mim isso funciona muito.
A presença mais ostensiva nos circuitos digitais, ou mesmo nos circuitos do jornalismo e da comunicação em geral, da mídia em geral, é algo que tende a atrapalhar a minha a minha atividade de criação, por quê porque no meu caso ela dificulta esse ensimesmamento que eu considero importante matéria pra minha atividade de elaboração literária de construção da estrutura da narrativa, pesquisa pra obra. E em seguida de escrita que é uma atividade que demanda muito tempo, muito silêncio.
Depois do primeiro romance, O Réptil Melancólico (Prêmio Sesc de Literatura 2021), quais os projetos literários para 2025.
F. C.: Eu vou lançar um livro de contos “Apontamentos sobre A Cidade imaginária de Belém”, pela editora Patuá, de São Paulo, agora no dia 17 de janeiro, às 18h00, no Sesc Ver o Peso. A obra traz questões referentes à cidade de Belém que buscam criar um diálogo entre a ficção e a ciência. É quase uma brincadeira, então nós temos uma geografia de bairros e uma etnografia de uma sociedade ficcionais, além de um relato histórico sobre um testamento deixado pelo padre Batista Campos e uma análise literária de uma poesia escrita durante a Cabanagem, ambos também ficcionais.
O livro está no campo do Realismo Fantástico. Ocorre que a busca por um realismo fantástico, nessa obra, é fazer esse intertexto entre a ficção e o relato objetivo pretendido pela ciência. De certa maneira é muito de minha realidade, em que uma parte de mim é ser o cientista pesquisador, que tem a obrigação com a apuração, com o textual, dos objetos de pesquisa, dos fatos científicos; e do outro tem o escritor, que tem o compromisso com a ficcionalização e a reinvenção do mundo. Esse é o lançamento que estou trabalhando agora.
Vou lançar ainda no primeiro semestre um texto que me deu muito prazer em escrever que é o meu memorial acadêmico, mas é um memorial que é diferente. Ele busca fazer uma leitura sociológica de todo o meu processo formativo dialogando com a cidade de Belém, com os outros lugares em que eu vivi, em que eu estudei, com as pessoas que eu encontrei na construção do meu percurso acadêmico.
Então ao invés de ser aquele memorial de 30 páginas que vai dizendo que é um currículo profissional comentado, o meu tem quase 200 páginas e é uma reflexão mais ou menos antropológica, mais ou menos sociológica, sobre o contexto do meu percurso de viver em Belém, de poder ser pesquisador de sociedades amazônicas, de processos socioculturais da Amazônia.
Esses são os dois lançamentos que eu que eu tenho programados, mas também estou terminando de escrever meu segundo romance, que tá no finalzinho e quem sabe dá pra lançar no segundo semestre… Eu conversei com a editora Records que lançou o meu livro anterior O Réptil Melancólico, meu primeiro livro literário, e a gente talvez lance aí por volta de outubro ou novembro.
*Fábio Fonseca de castro é jornalista, pesquisador e professor da UFPA. Esta entrevista faz parte de uma série de 3 reportagens que abordam a relação entre literatura, tecnologia e formação de leitores e escritores. Leia também os bate papos com Marcos Samuel Costa e Monique Malcher.